Olá, queridos leitores da Andragogia Brasil.
Finalizei a leitura de um livro do Carlos Brandão, intitulado “O que é educação” e tirei de lá uma ótima reflexão. Na página 40 da obra, Brandão fala que desde a Antiguidade Grega existem o que pode-se chamar de ‘lojas de ensino‘, um espaço que, literalmente, ‘vende saberes’ para quem pretende (e pode) adquiri-los.
O professor (vendedor do saber) aguarda na loja de ensino, até que um cliente (aprendiz) se dirija até lá em busca de um produto.
Deixo claro que as frases irônicas acima não foram feitas pelo autor do livro. Na verdade, pego emprestado apenas a expressão ‘lojas de ensino‘. Agora, a provocação de Brandão, ao fazer essa crítica, nos leva a refletir sobre como encaramos as nossas universidades, escolas profissionalizantes e os demais centros de ensino e aprendizagem. Será que realmente são parecidas com lojas? Assim como eu compro um tênis na loja de calçado ou um carro novo na loja de veículos, é feita desta forma a ‘venda’ de saberes?
Nos importa saber que o conceito de universidade (universitas, no latim), que significa universalidade, conjunto, comunidade, associação, vai muito além de um espaço físico que vende saberes. Pelo menos, quando surgiram as primeiras universidades medievais (Bolonha, Paris, Oxford), esse não era o seu papel na sociedade. A universidade estava longe de parecer com um comércio… uma ‘lojinha’.
As universidades medievais eram frequentadas por mestres (intelectuais, retóricos, filósofos, teólogos, dentre outros) e estudantes de diversos lugares, tanto do Ocidente, como do Oriente, todos estes ligados pelos mesmos interesses (o saber). Neste espaço, na universidade, não se vendiam saberes, e sim, promoviam debates sobre os problemas do cotidiano, incentivavam a troca de experiências e conhecimentos prévios, validavam as pesquisas e, sempre que possível, colocavam em prática, tudo aquilo que se descobria.
A universidade passa a despertar uma sensação de liberdade, uma liberdade de ensinar e de aprender. Era por isso que as pessoas iam para as universidades. Tanto que hoje nós falamos de liberdade acadêmica, liberdade de cátedra. Você já ouviu falar nesses termos?
A universidade traz esse princípio de que em seu ambiente, todos são livres para aprender, ensinar, pesquisar, validar, promover, divulgar o saber, o pensamento, a arte, a cultura.
Pelo menos, deveria ser esse o princípio de uma universidade. No Brasil, em nossa constituição, no artigo 206, você encontra a seguinte frase: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios”. Destaco, inclusive: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
No mesmo documento, também se fala de defender o pluralismo de ideias. Bonito, não é? É muito mais parecido com uma associação, do que com uma lojinha. Volto a dizer, assim deveria ser uma universidade em sua essência. Essa foi a ideia da universidade, da educação de adultos em geral. Um espaço para que o adulto aprendiz se sinta confortável para aprender, ensinar, errar, acertar, validar, colaborar, criticar. Mas sim, numa avaliação mais crítica, penso que a maioria das nossas universidades atuais parecem com uma loja de ensino.
O aluno chega até essa ‘loja’, confere seus produtos (marketing, direito, veterinária, publicidade, medicina), pergunta o preço, pede uma demonstração, verifica a qualidade/eficácia através de uma aula teste, tira as dúvidas sobre como consumir este produto (saber), questiona se tem certificação/validação e, ainda, quem será o responsável por entregar esse produto.
Esse produto está pronto e acabado, esperando por você, na prateleira. É engessado! Os professores, responsáveis pelo saber, já preparam o produto antes mesmo de você chegar na sala de aula. Quem ou como é o ‘cliente’ por assim dizer, pouco interessa. Os slides estão prontos, os exercícios formulados, assim como estão prontas as questões da avaliação. As atividades práticas foram pensadas, sem mesmo saber como agradariam (ou não) aos consumidores deste produto.
Quando Brandão fala sobre as lojas de ensinar, ele está nos dizendo que o saber é confundido com uma mercadoria. E, na educação de adultos, isso não faz sentido. Sabe por que? Porque cada aprendiz tem a sua própria expectativa, interesse, necessidade e motivação diante do processo de ensino-aprendizagem.
De volta à história, as universidades medievais, com o tempo, perderam sua essência. Com o avançar da Idade Média, durante a Idade Moderna e, atualmente, na Idade Contemporânea, a universidade passa a ser cada vez mais parecida com um lugar que o adulto frequenta para adquirir uma certificação (geralmente para comprovar sua ‘sabedoria’ no exercício do trabalho), um saber pronto e ‘mastigado’ do que um ambiente de troca, de reflexões, de fomentar o pensamento crítico.
Seja sincero(a), faz sentido uma universidade oferecer um produto que sirva para todo e qualquer adulto? Penso que não. Agora, vá além nesta reflexão: Será que a partir destas características, o produto não poderá ter uma certa… data de validade? Quanto mais nos distanciarmos das ‘lojas de ensino‘, mais próximo estaremos de uma universidade (em sua essência).
Para referenciar o artigo, utilizar:
Beck, C. (2021). Universidades ou lojas de ensino. Andragogia Brasil. Disponível em: https://andragogiabrasil.com.br/universidades-ou-lojas-de-ensino/