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Imediatismo da aprendizagem

Quando nos matriculamos em um curso, seja qual for, é para buscar um novo conhecimento, uma habilidade, ou uma certificação. Certo? Mas há o imediatismo da aprendizagem? Nós, como seres adultos, entendemos que vamos aprender algo novo e que existem lacunas a serem preenchidas. Assim que entramos em uma sala de aula, cada um de nós possui necessidades e expectativas particulares, assim como, motivações internas e externas que explicam o porque de estarmos ali.


No artigo de hoje, gostaria de gerar algumas reflexões sobre como a criança, o adolescente e o adulto enxergam o tempo de aplicação da aprendizagem, e como cada um deles encara o imediatismo (ou não) de um novo saber. Para começar, quero simular uma situação:


1. Imagine chegar em sala de aula, de um curso de Administração de Empresas. Você se matriculou nele, pois sempre teve interesse por gestão, mas devido a sua idade (20 anos), possui poucas experiências profissionais na área e está convicto(a) que lhe faltam muitas competências.


2. Assim que se inicia a aula, o professor apresenta o conceito de administração e ao trazer alguns exemplos práticos, utiliza somente cases de sucesso de multinacionais e startups que se destacaram na gestão de seus negócios. Ao não conseguir relacionar com sua realidade, timidamente, você levanta a sua mão, diz que não entendeu e pede ao educador que lhe traga exemplos mais ‘simples’.


3. Nesse momento o professor responde: “Calma, um dia você vai entender tudo isso. Quando tiver o seu próprio negócio ou administrar uma grande empresa, esse conteúdo lhe será muito útil.” Quase como que num passe de mágica, você sente seu corpo se distanciar… sua mente começa a perder o foco e a motivação que até o momento estava te acompanhando, some. É assim que surge o desinteresse, um sentimento muito comum numa formação de adultos.


Acontece que quando não conseguimos apresentar ao aprendiz adulto a importância de um saber e como ele pode ser aplicado de imediato, é muito provável que o educador tenha problemas de interesse por parte da turma. Existe certa expectativa de imediatismo em qualquer aprendizagem adulta, que normalmente são possíveis respostas a algum problema, barreira ou curiosidade despertada na vida cotidiana.


“Não sou um bom comunicador. Vou me matricular em um curso de Comunicação e Oratória.”; “Tenho dificuldades em gerenciar pessoas. Preciso de um treinamento voltado a isso!”; “Pretendo me especializar nessa linguagem de programação, mas já tentei programar e sou leigo. Quero aprender mais”; “No meu trabalho, ter um certificado de MBA é um diferencial. Preciso dele!”.

Perceba que o interesse pela aprendizagem, na fase adulta, normalmente surge com alguma situação real e que não necessariamente terá uma lógica de complexidade que acompanhe a proposta curricular do curso.


“Se eu não aprendo a falar bem em público agora, vou continuar a ter dificuldades quando me comunico na empresa. Se eu não aprender a programar rápido, perco oportunidades de emprego. Se eu não obter o certificado, outro pegará o meu lugar. Preciso para já!”

Perceba que para uma criança ou adolescente, na maioria das vezes, a educação é um processo de acúmulo de conhecimentos e habilidades, que podem ser úteis em um momento posterior da vida. É como se fosse um reservatório de saberes, que em determinadas situações, serão resgatados. Vamos aprendendo matemática, português, artes, geografia, ciências e demais disciplinas curriculares, com o propósito de nos preparar para situações futuras.


Você não encontrará uma criança se matriculando na escola, pois tem a necessidade de falar bem em público. Nem outra que sentiu a necessidade de aprender sobre a posição geográfica dos países. Tanto a criança, quanto o adolescente, aceitam que a proposta de ensino seja ‘top-down’, pois não possuem vivências e embasamentos para dizer se um determinado conteúdo será útil, ou não, em 2, 5, ou 10 anos. A confiança no educador, na instituição e no currículo é bem maior do que na aprendizagem adulta.


Knowles, o Pai da Andragogia, traz algo muito interessante. Ele nos diz que ‘quando crianças na escola primária, aprendemos para entrar no colegial. No colegial, aprendemos para entrar na faculdade e lá, aprendemos a nos preparar para a fase adulta.’ É uma educação que nos prepara para um evento futuro, sempre pensando na frente, com conteúdos que provavelmente iremos precisar. Acontece que ao me tornar adulto, assumo a autonomia e passo a decidir quando, como e porque quero aprender. O saber que procuro está relacionado com algum problema próprio (pessoal, profissional, social, etc) e, não faz parte de uma sequência lógica de desenvolvimento.


Experimente ensinar Trigonometria para uma criança, ao adolescente e ao adulto. Dificilmente a criança irá questionar o aprendizado e reclamar: ‘Ah professora, tenho certeza que nunca na minha vida irei usar isso! Que besteira.’. O adolescente, numa fase mais questionadora e descobrindo aos poucos a vida adulta, pode sim perguntar: ‘Ok, mas em que momento eu uso isso?’ Já o adulto, se na vida pessoal e profissional, não sentiu a necessidade de aplicar as relações entre os lados do triângulo retângulo, provavelmente irá apresentar um ‘pré-conceito‘ sobre o tema e acaba por se fechar ao novo saber pois não encontrou ali uma aplicabilidade: nunca usei isso e sei que não preciso.


A Andragogia acaba sendo voltada ao sujeito e seus problemas, suas histórias de vida e motivações pessoais. Não porque é uma ‘sacada genial’, e sim porque o adulto aprende desta maneira. Nenhum aluno adulto vai te dizer: “Olha professor, estava sem fazer nada em casa e resolvi me matricular nesse curso. Me ensine algo que em 3, 4, 5 anos possa ser útil!” Sempre tem um motivo, mesmo que oculto. As vezes é pressão dos pais (dependência), busca por oportunidades, mudança de vida, melhoria pessoal, enfim, diversos motivos e que a semelhança está no imediatismo.


Mesmo o ‘recém-adulto’ aos 18, 19, 20 anos que se matricula numa universidade, quando nos primeiros semestres não percebe a aplicação dos conhecimentos, acaba por desistir do curso. Te convido, caso seja de seu interesse, a buscar as estatísticas e os motivos dos egressos no ensino superior. É muito grande o número de desistências por ‘culpa’ da falta de aplicação do conhecimento ensinado, pouca relação da teoria com a prática, assim como, a péssima didática utilizada pelos educadores.


Por fim, engana-se o educador de adultos que acredita que a turma não possui expectativas, que não sabem o que ali estão fazendo. Portanto, se você vai ensinar liderança, mas ninguém ocupa um cargo de gestão, faça relações com a vida cotidiana deles. Traga exemplos de um time de futebol, do pai/mãe de família, do escoteiro, de um grupo social, etc.


O papel do andragogo está em conhecer o adulto aprendiz e usar a criatividade, os recursos didáticos e suas competências, para mostrar que as teorias e as práticas ensinadas podem ser aplicadas de imediato, independentemente do contexto que eles estão inseridos. O imediatismo da aprendizagem pode e deve ser trabalhado, desde que faça sentido para ambas as partes, tanto para quem ensina, como para quem aprende.


Vamos aprender sobre Andragogia (o que), que pode ser aplicada dessa forma (como), em qualquer formação de adultos (onde), inclusive, nesse exato momento (quando).

 

Para referenciar o artigo, utilizar:

Beck, C. (2018). Imediatismo da aprendizagem. Andragogia Brasil. Disponível em:  https://andragogiabrasil.com.br/imediatismo-da-aprendizagem/

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